sexta-feira, 23 de abril de 2010

Miscelânea de tabus

“A política guineense está envolta de uma miscelânea de «tabus» e «ormettas» onde todos os culpados são eternamente presumíveis e todos os mistérios permanecem no mesmo estado, permitindo a proliferação dos rumores que por vezes são fatais alimentando um desejo de vingança. Um círculo vicioso, quase mágico... talvez por isso a palavra «mistério» na Guiné-Bissau seja sinónimo de «feitiço» ou «magia». Só alguns conhecem as suas entranhas mas todos sentem a acção dos seus efeitos.”

http://www.jornal.st/noticias.php?noticia=7327

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Exposição no Bairro Alto

Dia 23 de Abril pelas 18h.
Travessa da Queimada n.º 26 em Lisboa.
(...)


Aldeia dos músicos

Depois da festa dos dois anos em Bissau e voltando um pouco atrás.

Tabato é uma pequena aldeia a 12km de Bafatá mais conhecida por ali se encontrar instalada uma comunidade de músicos e de gente que vive da música. Para chegarmos à tabanca seguimos, à semelhança de muitas outras pelo interior da Guiné-Bissau, por uma tortuosa estrada de terra ladeada de cajueiros e procuramos encontrar o melhor caminho entre lombas, buracos e vegetação cerrada.

A aldeia é famosa pela enorme diversidade de cantores e músicos que ali vivem e que aos poucos começam a ser ouvidos um pouco por toda a Guiné-Bissau. Tendo mesmo alguns deles conseguido já alguma projecção fora do país. Nesta aldeia as crianças nascem a ouvir música e são ensinadas desde muito novas na arte de cantar e tocar. No seio das suas famílias recebem a partilha dos sons e rapidamente a música lhes entra no corpo ao mesmo tempo que aprendem a dar os primeiros passos.







Esta convivência natural com a música tem como consequência a evolução de alguns como contadores de histórias à moda antiga ou griots, uma espécie de cantores-poeta cujas canções narram contos e lendas da tradição africana. São um elemento essencial da vida cultural pois são eles os transmissores das memórias e saberes. Uma forma de manter sempre viva a história dos antigos, os costumes e tradições do povo em locais onde a escrita tarda em aparecer. Os temas por eles abordados tocam essencialmente a liberdade, o sofrimento, a luta contra a pobreza, os direitos das mulheres e o amor.

Ouvimos várias histórias sobre as suas origens. Segundo alguém os familiares antepassados, avós dos avós, procuravam um lugar para instalar a aldeia quando ouviram sons no meio da floresta. Uma espécie de chamamento não identificado semelhante ao produzido pelos balafons (xilofones típicos em madeira vermelha), e resolveram instalar-se definitivamente naquela área. Outros dizem que a sua história se cruza com as de tribos nómadas oriundas do Mali. Entre estas um grupo de músicos terá agradado tanto o régulo guineense local que este os convidou a instalarem-se na região. Sejam ou não estas histórias fruto do imaginário tradicional, a verdade é que o local ficou popular como centro de música e dança. O artesanato que lhes proporciona um rendimento extra também se desenvolveu, bem como a construção dos instrumentos musicais.

Enquanto passeamos pela aldeia e nos mostram os avanços na construção da casa de visitas, o concerto começa a ser preparado. No centro da tabanca, junto da maior casa, aproveitando o enquadramento e os degraus, os músicos e dançarinos começam a organizar-se. A luz começa a cair e o ambiente torna-se mais propício para o espectáculo. Temos duas ou três filas de homens músicos, à esquerda e ao centro, cada um com o seu instrumento, balafons, jambés e outros de nome desconhecido. Mais à direita posicionam-se as mulheres dançarinas e cantoras. A forma e o à vontade com que os preparativos se desenrolam demonstram como o processo já se encontra mecanizado. Algumas cadeiras são disponibilizadas para acomodar a assistência, nós.








A aldeia praticamente pára. Todos se reúnem no centro da tabanca e a encenação começa. Os sons dos instrumentos começam a surgir do conjunto e o ambiente aquece. São acompanhados por cantigas faladas e gritos exuberantes. O ritmo é desconcertante. Umas vezes calmo e ritmado outras mais perto da análise clínica. A música contagia e rapidamente crianças e mulheres estão no centro do palco dançando e exibindo coreografias. Alguns participam e outros assistem.

Fruto da necessidade a comunidade já se habituou a solicitar algo em troca pelas suas actuações. Organizam-se e sobrevivem com os rendimentos provenientes do seu desempenho. Umas vezes são pagos em géneros, essencialmente nas visitas a outras aldeias ou participação em eventos locais; do lado dos estrangeiros o pagamento é normalmente feito em dinheiro. A contribuição de todos é essencial para a sua sobrevivência.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

De mãos atadas sem acção

As declarações do meu Chefe aqui em Bissau, embora necessariamente limitadas e dependentes de Bruxelas, foram claras em condenar os actos que tiveram lugar no dia 1de Abril. Deixo-as no modo como foram distribuídas pela LUSA:

O chefe da Missão da União Europeia para a Reforma do Sector de Defesa e Segurança na Guiné-Bissau, Gen. Juan Esteban Verastegui, considerou a intervenção militar de dia 1 de Abril como acto criminoso e aguarda instruções sobre futuro da Missão.

"Esperamos que as decisões políticas a serem tomadas clarifiquem a situação, mas hoje não temos informação das estruturas guineenses do que se está a passar no sentido do posicionamento do primeiro ministro e do presidente em relação aos actos criminosos, porque os actos do dia 1 foram criminosos. Temos de ser prudentes, analisar bem o que se está a passar. (…) Até hoje, podiam ser actuações de pessoas ligadas às Forças Armadas, mas a partir do momento em que as chefias das Forças Armadas estão envolvidas no problema é um problema institucional. (…) Não sabemos com quem devemos falar e acho que de momento seria bom dar um tempo de reflexão e esperar também instruções de Bruxelas" sobre o futuro da Missão. A situação é complicada.”

http://aeiou.expresso.pt/guine-bissau-acontecimentos-de-01-de-abril-foram-atos-criminosos-chefe-da-missao-da-ue=f575323

http://noticias.sapo.mz/info/artigo/1057351.html

terça-feira, 13 de abril de 2010

Evocações no Estoril

Diogo Navarro inaugura na próxima Sexta-feira, dia 16 de Abril, às 21.30 horas, na Galeria de Arte do Casino Estoril, uma exposição de Pintura. Tendo nascido em Moçambique, trouxe dessas terras banhadas pelo Índico o fascínio da cor e da luz, elementos que irão marcar toda a sua obra e na qual a natureza, ou se preferirmos, a mãe natureza será o seu tema preferido.

Foi em Junho de 2006 que este, ainda jovem pintor, realizou a sua primeira grande exposição individual, na Galeria de Arte do Casino Estoril, evidenciando já uma carreira promissora, fruto de um inegável e invulgar talento. Só que para um artista triunfar não basta ter talento. É preciso saber utilizá-lo, estudando, trabalhando, investigando, aprendendo com os mestres. Foi isso que o Diogo fez. Estudou pintura, técnica de gravura, design gráfico e realidade virtual, na Sociedade Nacional de Belas Artes e, também, na Diferença.


Realizou 21 exposições individuais e participou em meia centena de colectivas. As suas obras integram exigentes colecções públicas e privadas, no país e no estrangeiro.

Na presente exposição, a que chamou Evocações, para evocar momentos significativos do seu percurso artístico, com presenças em outros mundos e regiões, como Paris, Mónaco e Miami, não esquecendo também o Minho, Viana do Castelo, onde tem as suas raízes, Diogo Navarro aparece-nos agora com novos trabalhos, com uma paleta mais rica e forte, nas cores utilizadas, onde o expressionismo está presente com acerto técnico e inegável qualidade plástica.

Afirma-se, já não como uma revelação, mas uma certeza, no mundo artístico. Estamos certos de que esta exposição marcará um importante ponto de consagração da sua obra, com lugar destacado no panorama das Artes Plásticas Portuguesas, deixando antever um importante crescimento qualitativo nos anos mais próximos.

Diogo Navarro assinala a inauguração desta sua exposição com o lançamento de um livro, que documenta, através da reprodução de trabalhos de sua autoria, antologicamente seleccionados, o seu percurso artístico, iniciativa que os seus coleccionadores certamente apreciarão.

Esta exposição ficará patente ao público até 18 de Maio, todos os dias, das 15h às 24h.

Galeria de Arte do Casino Estoril

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sombras do passado e o golpe militar

Recentemente a Guiné-Bissau voltou a estar em destaque nos meios de comunicação social e infelizmente uma vez mais não pelos melhores motivos. Mais uma tentativa de golpe de Estado teve lugar no dia de 1 de Abril. Desta vez o sucesso não foi total. Embora a ordem constitucional tenha sido interrompida os intentos últimos da operação não foram atingidos. As alterações deram-se ao nível das Forças Armadas onde um golpe militar deixou bem claro quem tinha mais força junto das tropas e dos seus homens.

Não parecem ter ficado muitas dúvidas de que a subordinação dos militares ao poder político é algo do papel e se encontra muito longe da realidade. Como é possível um Primeiro-Ministro ser afastado das suas funções (mesmo que por apenas algumas horas) e ser ameaçado de morte pelo próprio Vice-Chefe do Estado-Maior, General António Injai? Ou como é possível um Chefe de Estado-Maior General, nomeado apesar de tudo de acordo com a Constituição, ser detido e continuar detido pelos próprios militares? Acresce a isto o facto de não se vislumbrar por parte das autoridades civis qualquer intervenção no sentido de condenar os perpetuadores deste golpe. Lembro ainda que as ameaças do Vice-Chefe do Estado-Maior foram transmitidas pela rádio e estão ainda bem presentes nas conversas diárias entre os guineenses.

Será suficiente um simples pedido de desculpas? Aparentemente sim e insólito também. O líder da revolta militar falou à comunicação social para pedir desculpas ao povo guineense pelas declarações proferidas em que ameaçava matar o chefe do governo se a população continuasse a manifestar-se em gesto de solidariedade para com este, pelas ruas de Bissau… "Peço a Sociedade Civil e à população guineense em geral as minhas desculpas, por ter proferido aquelas palavras de desgraça"… serão necessários muitos comentários? Aqueles que se manifestaram e defenderam o Primeiro-ministro junto de sua casa merecem sem dúvida um destaque posterior.

Entretanto, após mais de 10 dias passados, continuam detidos o Chefe de Estado Maior General, Almirante Zamora Induta e o responsável dos serviços de informação militar, o Coronel Samba Djaló. Os dois encontram-se de momento detidos nas instalações militares de Mansoa. Segundo o presidente do Observatório dos Direitos Humanos, Democracia e Cidadania do país, ambos estão debilitados e a necessitar de tratamento médico. As péssimas condições em que se encontram presos é também referida. A mesma fonte informou ainda os dois ainda não foram oficialmente acusados e que não foram apresentados às autoridades judiciais.

Até ao momento as razões apresentadas pelos autores do golpe militar são as enumeradas no comunicado do Estado Maior (são dois mas o segundo repete parte do primeiro…). A sua leitura é indispensável... Ficamos a saber que o Chefe de Estado Maior frustrou “(frustrado) as expectativas pelas quais havia sido unanimemente nomeado pelas chefias militares”. Qual o papel do Primeiro-ministro e do Presidente da República na nomeação de um Chefe de Estado Maior? Na Guiné-Bissau são os militares que nomeiam o seu chefe? Uma leitura da Constituição e das leis parece urgente. Leitura e aplicação.

O documento enumera ainda vários exemplos de supostas intervenções indevidas das Forças Armadas em assuntos que não eram da sua competência e que foram promovidos pelo Almirante Zamora Induta, para justificar a sua prisão e em última instância o golpe. Bem como acusam o Chefe de Estado Maior de possuir armamento em casa e pretender criar um “exército privado, representando este um perigo, com consequências imprevisíveis"…

Apesar de tudo o que se passou, as autoridades políticas nacionais parece não terem força suficiente para condenar o golpe militar. As declarações proferidas são disso exemplo. As reuniões entre as partes envolvidas sucedem-se mas nada é resolvido. O clima é de insegurança e de instabilidade. Como se pode garantir que os problemas estão ultrapassados?

Por uma vez a Comunidade Internacional pareceu falar em conjunto e condenou fortemente os acontecimentos de dia 1 de Abril. As declarações de alguns membros de governo, Embaixadores ou representantes de Organizações internacionais, foram todas direccionadas no mesmo sentido e exigiram a tomada de medidas perante o sucedido. Foram também claros em criticar a prontidão das autoridades nacionais quando estas afirmaram que a situação já estava superada e de que se tratou apenas de um pequeno problema entre militares. Alguns declararam ser impossível trabalhar com o actual Vice-Chefe de Estado Maior ou com o Contra-Almirante Bubo Na Tchuto, também implicado no golpe militar.

Será que podemos concordar com aqueles que dizem que a situação está normalizada apenas porque os militares voltaram às casernas? Caso os autores do último golpe que teve lugar em Bissau não sofram as consequências do atentado que fizeram à democracia e, pelo contrário, forem confirmados nos cargos que ilegitimamente tomaram, talvez a solução, como aponta o General Loureiro dos Santos e outros, deva passar pelo congelamento à Guiné-Bissau de todos os apoios em curso e prometidos das organizações internacionais.

Como podem as Nações Unidas, a União Europeia e outras Organizações Internacionais, ou as diversas cooperações bilaterais, continuar o seu trabalho conjunto com as autoridades militares? Devem estas passar a trabalhar com quem acaba de dar um golpe e fingir, como outros, que nada de grave se passou?

Muitas perguntas continuam ainda sem resposta. Mas é urgente que a situação seja clarificada. Quem será o próximo Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas? Nomeado por quem? Qual o destino do Vice-Chefe de Estado Maior? Mantém o seu lugar? O que sucederá ao Ex-Chefe de Estado da Armada, o contra Almirante Bubo Na Tchuto, que ainda a semana passada foi acusado pelos Estados Unidos de estar implicado no tráfico de droga? Qual a relação do golpe com o futuro da Reforma do Sector de Defesa e Segurança? E muitas outras questões poderiam ainda ser levantadas. No entanto, as soluções não podem ser encontrada no habitual ritmo bissau-guineense. Desta vez os problemas não se podem resolver com o tempo. Há que tomar medidas por mais impopulares que estas sejam. Por vezes sabemos que há crime mas não sabemos quem o cometeu, e noutras ocasiões conhecemos os dois lados.