segunda-feira, 30 de março de 2009

Regresso ao Passado

Não custou regressar. Para trás ficaram uns bons dias de férias e tudo o que isso implica. No caixote vieram iogurtes, gelados e queijo.

A situação militar-politico-social embora bastante mais calma está longe da normalidade. A tensão no ar é evidente e todas as conversas acabam por cair nos mesmos temas. Em cada esquina se comentam as mortes violentas dos dois Generais, a nomeação do novo Chefe de Estado Maior e o futuro do país. Todos têm opiniões sobre os autores dos atentados e sobre o envolvimento dos cartéis da droga nos acontecimentos.

Na procura de uma normalização da vida democrática aguarda-se pela marcação do dia para as eleições presidenciais. Uns falam já em Junho outros só em Novembro depois da época das chuvas. Discute-se a possibilidade de serem desrespeitadas as normas constitucionais que obrigam a eleições no prazo de 60 dias após a nomeação do Presidente interino uma vez que segundo as autoridades nacionais não há condições para as mesmas se realizarem. A Comunidade Internacional discorda e diz que prestará todo o apoio financeiro necessário.

Por outro lado as últimas decisões tomadas pelas chefias militares têm deixado muita gente apreensiva. A mais recente e mediática foi a detenção por militares do advogado do anterior Chefe de Estado Maior da Marinha, o Contra-Almirante Bubo Na Tchuto. As últimas informações da comunicação social dizem que se encontra no Hospital a receber tratamento…

Apesar de tudo a vida contínua. Aliás sempre assim foi. Um desfecho trágico para os envolvidos não era coisa que não passasse pela cabeça de muitos. A dúvida estava mais em saber quando seria do que em discutir se aconteceria mesmo. Podia ter sido uns meses antes ou mesmo daqui a alguns mas sabia-se que seria. Os grandes prejudicados são sempre os mesmos: a Guiné-Bissau e o seu povo.

Mas nem tudo está perdido. As más notícias felizmente costumam vir acompanhadas de outras bem melhores. Para quem perguntava e enviou presentes fica a notícia. No dia 13 de Março nasceu o filho da Sara Rosa. Foi chegar e vê-lo com 10 dias deitado no meu sofá. Tem um belo nome! Recebeu as roupas que a APC enviou e o porta-bebés que será motivo de muitas invejas.

As temperaturas altas estão de volta, e facilmente os termómetros marcam 34 ou 35 graus. Há muito trabalho mas também há mais fim de semanas na piscina, jogos de ténis ou almoços nas esplanadas. Inaugurámos o novo Edifício Sede da Missão da União Europeia e já podemos jogar squash (o 1º campo não oficial da Guiné-Bissau). Organizam-se mais fim de semanas nas ilhas e já não é tão fácil conseguir lugar.

Depois de algum tempo de ausência tentarei nos próximos dias actualizar a escrita e publicar alguns textos e fotografias mais antigas. As férias e não só acabaram por não me deixar muito tempo para o blog.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Golpes de catana

Artigo publicado no Diário de Notícias:

"O Presidente Nino Vieira foi assassinado com grande brutalidade pelos militares leais ao chefe do Estado-Maior Tagmé Na Waié, que fora por sua vez morto horas antes num atentado à bomba. Nino foi morto à catanada, sabe o DN. Sofreu golpes violentíssimos que o desfiguraram e já tinha profundas fracturas no crânio quando lhe deram o tiro de misericórdia.

Segundo fontes contactadas pelo DN em Bissau, a morte dos dois homens-fortes da Guiné teve na origem a velha rivalidade entre Tagmé e Nino, um ódio que remontava aos anos 80. O chefe do Estado-Maior sabia da iminência de um atentado contra a sua vida e deu instruções aos militares balantas que lhe eram fiéis: "Eu morro de manhã e o Nino morre à noite", terá dito o general, segundo garantiu ao DN um antigo ministro guineense."

Tagmé teria conhecimento de que chegara uma bomba", garantiu esta fonte, que sublinhou a sofisticação do atentado contra o general. O profissionalismo do ataque (que foi inédito na Guiné e transcende as capacidades das forças armadas locais) sugere a ajuda das redes de narcotráfico, que são controladas por sul-americanos.

As fontes guineenses atribuem a Nino Vieira o atentado contra Tagmé Na Waié. A explicação é a seguinte: Nino controlava a presidência e parte do poder civil, mas teve uma importante derrota nas eleições legislativas de Novembro, que o PAIGC liderado por Carlos Gomes Júnior ganhou com maioria absoluta, elegendo 67 dos 100 deputados. O partido apoiado por Nino Vieira, o PRID, que era liderado pelo antigo primeiro-ministro Aristides Pereira, conseguiu apenas 3 eleitos.

O poder militar é aquele que verdadeiramente conta na Guiné-Bissau e o Presidente tinha aí uma séria desvantagem, pois contava apenas com alguns apoios na marinha. Logo após o atentado contra Tagmé, Nino Vieira convocou o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior para uma reunião onde lhe seria imposto um novo chefe de Estado-maior da facção ninista. Mas o presidente terá cometido um erro de precipitação, ao convocar o primeiro-ministro escassos minutos depois do atentado, traindo o seu conhecimento do mesmo: Carlos Gomes recusou-se a comparecer. Também se afirma que Nino esperava a protecção da marinha e que esta não se concretizou.

Neste ponto dos relatos sobre os acontecimentos da madrugada de domingo surge um mistério: por que razão Nino Vieira não tentou fugir mais cedo? O presidente teve muitas horas para escapar, mas não o fez.

O actual poder da Guiné-Bissau está nas mãos dos militares fiéis a Tagmé Na Waié, uma nova geração de oficiais. O novo homem-forte será Zamora Induta, mas o poder militar não está clarificado. De qualquer forma, a situação parece estável.

O poder civil encontra-se nas mãos do PAIGC. O Presidente interino, Raimundo Pereira, exercia o cargo de presidente do Parlamento. De 52 anos, é um jurista formado em Portugal.

A sequência da situação política na Guiné-Bissau tem inúmeras incógnitas. Para alguns "é o fim de uma Era" dominada pelo impiedoso Nino Vieira. Mas no horizonte há problemas. O maior deles parece ser o narcotráfico e a corrupção. Também não se pode esquecer a questão da balantização das forças armadas, facto que as outras etnias observam com extrema preocupação.

A presidência de Raimundo Pereira também poderá ser breve. A Constituição prevê eleições em dois meses, mas será impossível cumprir o prazo. Os outros partidos temem a hegemonia do PAIGC e quererão negociar um presidente transitório consensual."

http://dn.sapo.pt/2009/03/04/internacional/nino_morreu_a_golpes_catana.html

terça-feira, 3 de março de 2009

Viagem a casa

Obrigado a todos os que se preocuparam e me escreveram ou telefonaram. Não respondi ainda a todos mas vou tentar. Estou em Portugal. Não se tratou de uma evacuação mas apenas da coincidência de ter agora alguns dias de férias. Os primeiros depois de 6 meses consecutivos na Guiné-Bissau.

Os sentimentos estão de alguma forma divididos pois se por um lado estar de volta ao nosso país é sempre agradável, por outro lado caso estivesse por lá estaria a viver mais alguns acontecimentos históricos. Não é todos os dias que assistimos a atentados à bomba contra o Chefe de Estado Maior ou ao assassinato de um Presidente.

Esperemos que a situação em Bissau rapidamente regresse à normalidade. Um país tão pobre e que já vive com tantas dificuldades não precisa que lhe piorem ainda mais a situação. De qualquer forma brevemente estarei de regresso. Trabalho não falta.

Até já.