sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Sementes coloridas

A chegada de visitas implica necessariamente também a chegada de encomendas. Aproveita-se sempre a boleia de quem viaja até Bissau para fazer chegar até cá aquilo que é impossível encontrar por aqui e por outro lado tentar responder aos mais diversos e variados pedidos. Felizmente há sempre boa vontade e costuma haver distribuição para todos os gostos.

Agradeço por isso a todos os que puderam e se preocuparam em fazer chegar encomendas. Não posso deixar sobretudo de agradecer os objectos comprados propositadamente nas lojas especializadas para cegos. Como podem imaginar aqui não existe qualquer possibilidade de encontrar material próprio para o ensino de invisuais e a falta que estes materiais fazem é gigante. Uma boneca braillin para os mais pequenos começarem a aprender o alfabeto ou uma bola de futebol com sinos no interior podem fazer maravilhas.

Não vou escrever outra vez sobre a escola Bengala Branca ou o lar Abelha Obreira pois facilmente podem encontrar outros textos meus mais antigos sobre as duas instituições. Deixo no entanto algumas fotografias que podem ajudar a perceber melhor a realidade local e as condições em que aprendem e vivem algumas crianças em Bissau.



Não se torna fácil explicar a uma criança cega o que é um quadrado, um triângulo ou qualquer outra forma geométrica em 3 dimensões quando apenas se tem papel para o fazer mas uma ida ao Toys R Us pode tornar tudo mais fácil. Obrigado.

Deixo ainda dois filmes que mostram bem as condições das salas de aula e a animação que uma simples visita pode trazer.



Apesar da pobreza e das dificuldades, o calor com que somos recebidos é enorme e a sensação de estar a contribuir (mesmo que pouco face às necessidades) é enriquecedora.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Santos do Benfica

Tentando dar resposta às vozes que clamam por mais informação desportiva segue uma notícia publicada esta semana no Nô Pintcha: “O avançado do Sport Benfica e Bissau, Santos da Silva, foi eleito o melhor jogador do campeonato nacional da 1ª divisão da época desportiva de 2007/2008 pela Associação dos Jogadores de Futebol da Guiné-Bissau seguido por Umaro Embaló (Caró) e Idrissa Camará (Idi), na 2ª e 3ª posição, ambos da equipa dos Balantas de Mansôa.”

Ponta Anchaca

O destino 5 estrelas da Guiné-Bissau fica a cerca de 2 horas de barco (partindo de Bissau). Quem conhece bem o país sabe que é fácil encontrar lugares fantásticos e paisagens deslumbrantes mas também sabe bem que geralmente as condições de alojamento são inversamente proporcionais…

Na ilha de Rubane excepcionalmente temos direito a tudo e portanto um dos lugares obrigatórios para os convidados. A vista é de sonho com grandes extensões de areia branca enquadradas por zonas de floresta virgem, mangais e palmeiras com sombras convidativas. Os bungalows são modernos e totalmente equipados, com quartos arejados e bem decorados. Alguns para além de uma varanda perfeita para a leitura têm mesmo um jacuzzi.



Recentemente o acampamento foi ampliado e tem agora também uma piscina. Ideal para terminar o dia e apreciar melhor ainda o panorama impressionante que nos rodeia.

A falta de acessibilidades para as ilhas faz com que estes destinos ainda sejam pouco frequentados o que nos torna ainda mais privilegiados. Temos a possibilidade de estar durante alguns dias isolados do mundo numa ilha meia deserta com apenas meia dúzia de pessoas. O sonho de muitos é para nós aqui na Guiné-Bissau realidade. Espero que as visitas tenham gostado.



Em breve espero voltar e em boa companhia. Só falta saber as datas.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Dar vida sem Morrer

"Dar vida sem Morrer é o primeiro de três documentários sobre o antes e o depois da implementação de um projecto que tem como objectivo a Redução da Mortalidade Materna e Neo-natal na Guiné-Bissau, um país onde esta mortalidade é extremamente elevada, especialmente nas zonas de Oio e Gabú. Este projecto resulta de uma parceria entre a RTP e a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.

Parte do financiamento deste projecto provém da emissão de solidariedade do programa "Dança Comigo por uma boa causa", cujos donativos oferecidos pelos espectadores da RTP (250.000 euros) reverteram para o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), organismo que irá ter a responsabilidade de coordenar o projecto no terreno. Também o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), na pessoa do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Dr. João Gomes Cravinho fez questão de se juntar a esta causa e deu igual montante (250.000 euros).

Vão beneficiar desta verba total de 500.000 euros, dois hospitais maternidades e 31 centros de saúde, através da construção de um bloco operatório, da entrega de ambulâncias, da colocação de painéis solares, da distribuição de todo o tipo de materiais que envolvem a vida reprodutiva da mulher e o parto e, ainda, na formação de técnicos especializados nesta área.

Este primeiro documentário mostra a realidade actual de adolescentes mães (jovens aos 13 e 14 anos que estão grávidas do terceiro filho) e das condições mais que precárias em que são feitos os partos e da vulnerabilidade da vida dos bebés guineenses."

Para ver na RTP1 no dia 26 de Fevereiro às 21h00.

http://www.mne.gov.pt/mne/pt/noticias/200902170920.htm

Hospital

Quando se olha para o último Índice de Desenvolvimento Humano publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (em 2007/2008) conseguimos encontrar a Guiné-Bissau na posição 175 e ante-penúltima do ranking. Significa isto que mais pobre é bastante difícil.

Isto para dizer que apesar da enorme beleza do país e da grande simpatia e disponibilidade do povo guineense há que estar também preparado para um país que enfrenta muitas dificuldades e que têm carências que nos custam imaginar puderem existir ainda hoje. Quem visita a Guiné-Bissau tem por isso obviamente de estar preparado para ver quase tudo.

Gosto de mostrar as ilhas e todos os outros lugares fantásticos mas uma visita à Guiné-Bissau fica mais completa quando se visita também o outro lado. Ganha-se novas perspectivas o que é bom. Deve fazer parte do programa passear nas zonas mais pobres, aldeias sem nada, orfanatos ou escolas, para que a visão seja global.

Um dos lugares que talvez mais simbolize o verdadeiro estado do país é o Hospital Simão Mendes em Bissau. É o principal do país mas pode-se dizer sem falhar por muito que tem falta de quase tudo. Existe uma grande falta de meios humanos e técnicos qualificados o que leva à morte de muita gente que noutras circunstâncias nunca teria lugar. Há falta de salas de internamento, camas, gessos, aparelhos raio-x, etc. O bloco operatório por vezes não funciona pois não há possibilidade de anestesiar os doentes. As falhas de electricidade e água até recentemente eram habituais. A maioria das vezes os doentes não têm acesso aos medicamentos uma vez que estes são pagos pelos próprios. Já para não falar da falta de conhecimentos básicos de higiene ou dos problemas típicos de corrupção.




Um dia destes visitei mais uma vez o Hospital e acho que todos os que aqui estão deviam fazer. Deu para ver os bebés nas incubadoras (umas a funcionar outras não) ou também para perceber como é feita a limpeza das batas médicas e lençóis.


A situação durante a epidemia de cólera (em Junho-Novembro do ano passado) foi catastrófica mas parece que aos poucos algumas coisas vão melhorando. Entretanto muita gente vai ficando pelo caminho.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Cidade colonial

Bafatá é uma cidade admiravelmente tranquila, caracterizada por uma predominância de edifícios e casas coloniais mas que infelizmente se encontram num estado avançado de degradação. Fica numa colina do interior do país na margem do Rio Geba, a 150 km a nordeste de Bissau. Ainda hoje é considerada por alguns a segunda maior cidade da Guiné-Bissau com mais de 100.000 habitantes (estes dados nunca são de fiar uma vez que o último recenseamento da população teve lugar há 17 anos).





Aproveitando as visitas familiares (as primeiras em 9 meses…) fomos até lá. Com facilidade podemos imaginar como seria a Bafatá portuguesa. A estrutura e traça típica estão muito presentes na parte baixa da cidade. Abstraindo-nos da cidade fantasma actual e da poeira envolvente podemos voltar atrás no tempo sem dificuldade e sentir ainda a grande influência dos colonizadores.



Conseguem-se também encontrar alguns raros portugueses que depois de viverem as guerras se deixaram ficar por Bafatá e que ainda hoje têm esperança de que a cidade volte a ter força e dinâmica do passado. Vale a pena visitar o Mercado Central e principalmente a sua fachada em estilo arabesco bem como passear nas ruas e jardins que terminam no rio. Conhecer as antigas piscinas também faz parte. A visita não fica completa sem uma passagem pelo restaurante Ponto de Encontro ou pela casa Marco.


Bafatá é também a cidade natal do herói nacional, Amílcar Cabral, e esse facto está assinalado num monumento com o seu busto perto do mercado. Infelizmente a casa onde supostamente nasceu está actualmente deixada ao abandono.


Há campanhas para recuperar a cidade e voltar a dar-lhe o encanto e as cores vivas do antigamente. Parece tão fácil mudar tudo e afinal tão pouco está feito.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Raízes africanas

A Galeria 9arte (em Lisboa) vai inaugurar, no próximo dia 5 de Março, pelas 19H00, a Exposição Colectiva de Pintura “Roots”. Esta exposição apresenta trabalhos de cinco artistas plásticos, todos nascidos em África (Angola e Moçambique) e actualmente a viverem na Europa - Diogo Navarro, Ilídio Candja, João Murillo, Kheto Lualualí e Rui Jordão.

Esta exposição não pretende ser uma mostra de arte africana, mas sim um olhar sobre a forma como a sua influência se cruza com as memórias destes artistas. Em alguns casos o despertar da Pintura surgiu na Europa, influenciado, esse despertar, pelas correntes europeias contemporâneas. Esta confluência entre as raízes africanas e o meio europeu deu origem a percursos muito diversos.

Olhar um quadro de Ilídio Candja é descobrir através da mistura forte mas equilibrada das cores, um grafismo ancestral aliado a movimentos ritmicos. Já na obra de Kheto Lualualí a presença do quotidiano de Maputo é recriada a partir de personagens desenhados com as cores da terra. Na obra deste artista sente-se a sua forte afirmação africana. A obra de João Murillo é mais amadurecida e elaborada. Marcado pela sua experiência junto de artistas, com quem privou, como Bual e Cesariny. João Murillo projecta na tela a sua emotividade misturada com todo o desiquilibrio do processo criativo abstracto. Inquieto e irrequieto pinta histórias, todas elas densas na matéria com que as compõe. De África sentimos ao olhar o seu trabalho a imensidão do espaço e do tempo. Diogo Navarro, intuitivo e sensível, tem na sua obra como recorrente a paisagem. Lugares ou não lugares sempre desenhados de forma ténue, misteriosa, quase lânguida, sempre envoltos pelos céus amarelos e as cores quentes da terra africana. Na obra de Rui Jordão a calma aliada aos afectos e às memórias surgem ténues, como véus. Os recortes das figuras ou as manchas (estados de espírito?) denunciam o universo de uma vida construída. Há o rasar em pensamentos antigos, há mensagens, há o peso de uma sensibilidade aguda, há as cores como invenções de leveza.

Exposição patente até dia 13 de Abril de 2009.
Horário: 2ª a 6ªfeira, das 12H00 às 19H00; sábado por marcação.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Papoilas saltitantes

O futebol na Guiné-Bissau é sempre motivo de festa (quase tudo é motivo de festa por aqui). No entanto mais naturalmente se festejam as vitórias e os golos dos clubes portugueses do que se conhecem os resultados do campeonato guineense. Todos sabem os nomes dos jogadores de Portugal. Conhecem bem os falhanços do Nuno Gomes, os penteados do Miguel Veloso ou os voos para a piscina do Lisandro. Este fim de semana não foi excepção. Houve jogo grande e muita emoção. Muitos estão trajados a rigor. O vermelho vivo domina. Como já vem sendo habitual fomos espoliados e os beneficiados acabam por ser sempre os mesmos.

Deixo algumas imagens. São de Canhambaque como ontem. Ilustram bem o sentimento de que mesmo numa ilha esquecida no meio do nada o futebol português está bem presente. Não faço comentários à cor predominante…





Agora só falta dinamizar a sede e dar uma ajuda ao Sport Benfica e Bissau! Conto com o apoio dos cativos.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Atraso no tempo

Aproveitando a vinda a Bissau de mais uma equipa de avaliação de Bruxelas (um dos motivos da minha ausência) fomos às ilhas. A altura não foi a melhor. O mês de Janeiro não costuma ser e este parece que foi ainda pior. Tivemos mais frio e mais vento. As temperaturas baixam e têm uma oscilação maior entre a mais alta e mais baixa. A média anda pelos 20º a 30º graus. Falar portanto em frio na Guiné é relativo. De qualquer maneira é a altura dos Kispos e Anorakes. Quem os tem faz questão de mostrar e tem piada.

Embora o mar não estivesse perfeito e a proibição de navegação para as canoas de passageiros estivesse interdita, lá conseguimos barco para as ilhas. Apanhámos ondas grandes e vento forte. Já estávamos à espera e fizemos uma paragem extra em Canhambaque até que o panorama melhorasse. Não foi uma perda de tempo. Muitos não tínhamos ainda visitado a ilha e assim conseguimos ir até à tabanca e aprender um pouco mais.





Canhambaque é conhecida por ser uma das ilhas Bijagós que mais preservou a sua cultura e portanto que se encontra num estado mais puro. As influências do continente não são tão fortes como noutros lugares e isso é fácil de se ver.

Visitámos uma aldeia e a escola. Vemos aquilo que imaginamos de uma aldeia perdida no tempo onde a civilização tem dificuldade em chegar. A pobreza é generalizada e as tradições revelam-se ainda muito fortes. Não há nada que não seja básico. À primeira vista há falta de tudo. As crianças não têm roupas lavadas, sem remendos ou buracos para vestir. Não têm brinquedos ou jogos como as crianças que conhecemos. No entanto nunca nos deixam de falar, fazer muitas perguntas e de transmitir sempre muita alegria e simpatia.








Há mundos diferentes e é impossível não ficarmos a pensar. Foi também a viagem de despedida de Alguém. Já nos havemos de encontrar.