quarta-feira, 3 de junho de 2009

i Fogo lento

Nem tudo o que se ouve é verdade e às vezes quando se ouve devia-se fazer mais algumas perguntas. Eu estou por aqui e já me disponibilizei. Grande B podes sempre dizer à tua colega para me telefonar. A Guiné-Bissau é um país onde tudo acontece e por isso mesmo nem sempre é fácil ser surpreendido. Estava ontem a consultar a página online do novo jornal i (que por sinal até tem algumas ideias engraçadas e é bastante apelativo à vista) quando vejo o seguinte texto:

“Os cidadãos da Guiné que consigam apanhar algum ladrão devem queimá-lo. As instruções da brigada anti-crime do governo são claras e pretendem impedir a sobrelotação das prisões do país. A desordem cresceu na capital da Guiné nos últimos meses, com acusações de roubos e violações a soldados, o que levou o governo a apelar aos cidadãos para conseguir melhorar a situação das prisões.

"Estou a pedir que queimem todos os bandidos armados que conseguirem apanhar no momento em que estão a roubar", disse o capitão Moussa Tiegboro Camara, destacado para a luta contra a droga e crimes mais perigosos. "As prisões estão cheias e não podem receber mais pessoas, e a situação não pode continuar assim", acrescentou."

(…)

http://www.ionline.pt/conteudo/7200-guineenses-devem-queimar-ladroes-evitar-sobrelotacao-das-prisoes

Agora já sou eu novamente, na Guiné-Bissau a liberdade de usar a palavra é respeitada e considerando a actual situação do país até se pode estranhar a quase total liberdade que é dada aos meios de comunicação social para trabalharem. Não deixa de ser interessante ler editoriais e artigos de fundo, pois praticamente tudo é dito. Há direito de acusar e levantar as dúvidas que bem se entende. Talvez o facto derive de não se conhecerem condenações derivadas desta liberdade ou pelo facto de muito pouco serem aqueles que têm acesso à imprensa escrita.

Voltando ao texto publicado. O capitão disse, o Governo disse, as prisões estão cheias… resumindo o Governo apelou aos cidadãos para melhorarem a situação nas prisões.(?) Pedir que queimem todos os bandidos (…)?! Não conhecia este tipo de jornalismo. Qual a relação? Qual o sentido? Qual o verdadeiro conhecimento sobre a situação real do país?

Só um pequeno à parte: a Guiné-Bissau não tem nenhuma prisão. Foram todas destruídas na sequência dos conflitos armados. Existem celas de detenção em algumas esquadras de polícia ou estabelecimentos militares. Nenhum destes espaços tem as condições mínimas aceitáveis. Os detidos têm uma liberdade difícil de imaginar ou compreender. O Governo vem aliás ao longo dos últimos anos solicitando à comunidade internacional a edificação ou reconstrução de uma prisão. É reconhecido de um modo geral que a falta de Justiça e o sistema prisional funcionam com grandes limitações. A punição legal é deficitária por isso mesmo mas daí até o Governo começar a mandar queimar criminosos ainda vai alguma diferença (ainda se fossem outros a mandar...). Informo que não se vêm as piras de antigamente ou pneus a arder.

A origem do artigo pode não ser i mas de qualquer modo...

Uma ultima nota. Sei que estou atrasado e em falta com alguns textos e fotografias. Espero conseguir rapidamente actualizar. Falta a vitória da Missão, Varela, a entrega de material e Ponta Anchaca.

Parabéns D.

2 comentários:

Bruno Faria Lopes disse...

Miguel,

Li o texto e duvido muito que a fonte seja nossa - pela prosa (e porque cita fontes locais) parece-me ser da Lusa. Tal não invalida, de facto, que a jornalista sentada à mesa, em Lisboa, não se interrogue sobre a razoabilidade da informação que está a usar... Vou falar com a Mariana - é nova e, como todos os outros (e, de resto, a esmagadora maioria do país) conhecerá muito pouco sobre a Guiné. O que chega aqui não é famoso - a tendência para acreditar em tudo é grande. Urge duvidar, sempre.

Um abraço,
Bruno

"Anunciador" disse...

Isto é realmente assustador! Esperemos que a "moda" não pegue...

E eu a pensar que ia ler um post sobre a ilha do Fogo!

Belo blog :)